| Naviraí/MS - Quinta-Feira, 28 de Marco de 2024

100 dias de governo Biden


Como o presidente americano enterrou a Era Trump e deixou Bolsonaro fragilizado
Foto: divulgação Por: | 28/05/2023 18:08

A diplomacia voltou", prometeu Joe Biden. Seus cem primeiros dias na presidência americana representaram, de fato, uma guinada importante na política externa dos EUA, com a Casa Branca mergulhada num esforço para refazer alianças minadas durante a Era Trump e deixar claro que o isolacionismo não era uma opção se o país busca ser protagonista no destino do mundo.

Mas a transformação nos EUA fez uma vítima: o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) que, isolado, foi obrigado a rever sua estratégia internacional e mudar o tom de seu discurso.

O presidente brasileiro foi um dos últimos a reconhecer a vitória do democrata, chegou a falar em fraude e gerou indignação nos EUA ao não condenar de forma contundente a invasão do Capitólio.

O republicano Donald Trump tinha em Bolsonaro seu aliado incondicional na aliança erguida para reconstruir o palco internacional a partir de uma base ultraconservadora e religiosa.

O elo entre os dois líderes teve repercussões na forma como o Brasil passou a votar em decisões da ONU sobre direitos das mulheres, acesso à educação sexual, direitos reprodutivos, movimento LGBTQIA+ e temas como racismo, violência policial, minorias e mesmo sobre democracia.

A aliança profundamente ideológica também afastou o Brasil de posturas tradicionais em temas relacionados a Cuba e Israel, além de fazer com que o país ecoasse o discurso americano contra o Partida Comunista Chinês.

Órfão, fragilizado e sob pressão, o Palácio do Planalto busca agora uma diplomacia que seja vista como mais pragmática. Mas a desconfiança internacional é de que a mudança de discurso não represente, de fato, uma transformação na política externa e nem nos princípios defendidos por Bolsonaro.

Mas o fim do governo do republicano, segundo o diplomata, "mudou a correlação de forças no Brasil". Ainda que não tenha sido o único fator, a chegada de Biden ajudou na queda de Ernesto Araújo no comando do Itamaraty e contribuiu para que fosse tomada uma decisão de buscar uma imagem mais pragmática para a diplomacia. "Para o Brasil, mais importante que a chegada de Biden, foi a queda de Trump", conclui.

Uma das principais transformações de Biden no cenário internacional foi assumir a gravidade da pandemia e apostar numa resposta coordenada do mundo à crise.

A Casa Branca retornou à OMS, voltou a pagar suas contribuições para a entidade, destinou recursos para a compra de vacinas pela Covax e deixou claro, nos bastidores, que iria colocar todo seu peso para que a reforma da agência mundial de Saúde atendesse a seus objetivos.

A mudança deixou o Brasil sozinho nas críticas e no relacionamento conflituoso com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Por meses, Bolsonaro ecoava os ataques de Trump contra a agência, por vezes usando exatamente as mesmas palavras para se referir à OMS e suas recomendações.

Abandonado pela Casa Branca e diante de uma explosão de casos e de mortes, o Palácio do Planalto optou por adotar um novo tom.

Desde março, o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, saiu em busca do apoio da OMS e, em abril, pela primeira vez, houve uma reunião entre o chanceler brasileiro Carlos França e o diretor-geral da agência, Tedros Ghebreyesus. No encontro, o Brasil ouviu um apelo: "Exerça sua liderança global".

Críticos da postura americana, porém, alertam que a ação de Biden é insuficiente, já que ele privilegiou a vacinação em seu país — inclusive para jovens — antes de autorizar qualquer doação ou exportação de insumos para a fabricação de doses em outros lugares do mundo.

Isso, segundo a OMS, aprofunda a disparidade global. Enquanto mais de 220 milhões de doses foram distribuídas apenas nos EUA, países pobres receberam menos de 50 milhões. Sem citar nomes, Tedros chegou a chamar o comportamento dos países ricos de acumular vacinas de um "escândalo moral".

Outra transformação na posição americana se refere ao meio ambiente. Biden, segundo negociadores internacionais, de fato usou essa plataforma para tentar mostrar ao mundo uma tradução na prática de sua promessa de que "America is Back" (Os EUA voltaram).

Na semana passada, em uma cúpula organizada pela Casa Branca, o presidente americano anunciou metas ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa e fez questão de colocar o tema no centro de sua agenda para 2021.

Biden também conseguiu reunir, de forma virtual, os principais líderes mundiais, inclusive rivais como Vladimir Putin e Xi Jinping.

Uma vez mais, o órfão foi o Brasil, que contava com o apoio de Trump para se recusar a entrar em negociações aprofundada sobre a questão climática. Em 2019, diante dos incêndios na Amazônia, foi o ex-presidente americano que abortou uma declaração conjunta do G7 contra a situação brasileira.

Sentindo-se blindado por Trump, o Brasil até mesmo apresentou compromissos insignificantes em relação às metas de emissões em dezembro de 2020.

O jogo, porém, mudou com Biden, que na campanha eleitoral já havia ameaçado Bolsonaro por seu comportamento em assuntos climáticos. Como resposta, o presidente brasileiro não poupou críticas ao americano.

Contudo, uma vez no poder, o pragmatismo foi restabelecido e os dois governos voltaram a negociar. Isso, porém, não impediu que, na cúpula de Biden na semana passada, o Brasil descobrisse que não era mais protagonista em temas ambientais (foto).

Colocado num lugar de mero coadjuvante, Bolsonaro abandonou os ataques contra a comunidade internacional e mentiu sobre a situação brasileira.

Suas promessas foram vistas como resultado da pressão de Biden, da ausência de Trump e da insistência de governos estrangeiros para que o Brasil fizesse um gesto. Mas não convenceu negociadores.

Na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a adesão sonhada do Brasil vai depender de como o governo atua na questão climática, enquanto na União Européia não há chance de um acordo com o Mercosul vingar enquanto não houver provas de um compromisso de Bolsonaro em lutar contra o desmatamento.

Uma outra aposta de Biden é a recuperação da agenda internacional sobre direitos humanos, incluindo o reconhecimento do racismo estrutural, da violência policial, da vulnerabilidade de minorias e da agenda LGBTQIA+.

Em sua pauta também estão temas como a garantia de espaço para a sociedade civil, o fortalecimento da imprensa, a denúncia de estratégias de desinformação e o fortalecimento da democracia.

Em todos esses aspectos, ainda que o impacto possa levar mais tempo para ser notado, outra vez o Brasil se depara com a ausência de um aliado. Na própria cúpula do clima, Biden não deixou Bolsonaro ser o único brasileiro a falar. Horas depois, a Casa Branca deu espaço para uma liderança indígena, Sinéia do Vale, da etnia wapichana (foto).

Nos primeiros dias de seu governo, Biden ainda anunciou na Organização Mundial da Saúde (OMS) o fim da postura da administração Trump de vetar termos como saúde reprodutiva e direitos sexuais em programas e resoluções internacionais. O gesto representa o fim de uma aliança e da promoção de uma agenda ultraconservadora no mundo, que contava com o Brasil como um dos principais pilares.

No Itamaraty e nas alas mais conservadoras de apoio do governo, a aproximação nesses temas com Trump era considerada como um dos principais movimentos da política externa do ex-chanceler Ernesto Araújo e da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves.

O argumento do grupo liderado por Trump, Bolsonaro e Viktor Orban (Hungria) era que existiria uma manobra nas entidades internacionais para incluir termos como direito à saúde reprodutiva e sexual nos programas, o que abriria uma brecha para legitimar o aborto.

A transformação da política externa de Biden, porém, não significou uma mudança profunda em relação aos chineses, foco também de duras críticas de Trump.

A Casa Branca indicou que quer trabalhar com Pequim onde houver pontos de acordo, como na questão ambiental. Mas, em reuniões fechadas com a cúpula da ONU, revelaram que os diplomatas americanos pressionam a comunidade internacional a denunciar a situação de direitos humanos na China, enquanto no setor de tecnologia a ordem é a de não perder mais espaço para os asiáticos.

Trump havia aberto uma crise internacional ao elevar tarifas contra bens chineses e estabelecer de fato uma guerra comercial, inclusive paralisando os trabalhos na OMC (Organização Mundial do Comércio).

Ao assumir o poder, Biden destravou os trabalhos na agência mundial do comércio e indicou que quer uma reforma da entidade. Mas não retirou a pressão comercial sobre a China.

Para negociadores, um dos grandes desafios de Biden será o de dar sinais para a classe média americana de que a "volta dos EUA ao mundo" não significará a perda de empregos e a fuga de empresas das cidades americanas.

A julgar pelos cem primeiros dias de governo, o confronto com Pequim não ocorrerá pelas redes sociais ou por declarações. Tampouco haverá um espaço para uma moderação.

Ao falar ao New York Times, recentemente, uma frase chamou a atenção de diplomatas. "Quero ter certeza de que iremos lutar para que haja investimentos primeiro nos EUA", disse. Em inglês, a frase soou com duas palavras conhecida da Era Trump: "America first".

Para negociadores estrangeiros, a atitude de Biden sobre a China não difere do que Trump mantinha, pelo mesmo no que se refere à substância. "Temos um Trump com bons modos", ironizou um diplomata.

De fato, pelo mundo, o governo americano vem fazendo pressão para que haja um front contra a China, no que ficaria claro durante uma cúpula que Biden quer organizar em maio sobre a defesa da democracia.

Temas como as violações à população Uyghur e a situação das liberdades fundamentais em Hong Kong também estão no centro da ofensiva americana.

Da mesma forma que pressiona a China, Biden também deu sinais de que não está disposto a retirar por enquanto sanções impostas sobre a Rússia, em coordenação com os europeus.

Para embaixadores pelo mundo, os cem primeiros dias foram marcados por uma elevada velocidade no esforço de Biden de mostrar ao mundo que não é Trump e que os EUA voltam a ser um parceiro.

Mas negociadores alertam que isso não será suficiente para reconquistar a posição de liderança no cenário internacional, hoje disputado de forma intensa por interesses chineses e num período em que, pela primeira vez, a Ásia soma mais de metade do PIB do planeta.

Notícias UOL



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