Um trecho da PR-364, que liga Irati a São Mateus do Sul, no centro-sul do Paraná, tornou-se palco de um conflito entre o progresso e a preservação de um capítulo fundamental da história do nosso planeta. As máquinas de pavimentação foram silenciadas por uma força inesperada e milenar: a descoberta de fósseis com mais de 280 milhões de anos, vestígios de uma época anterior até mesmo aos dinossauros.
A interrupção, determinada pelo Instituto Água e Terra (IAT), veio após uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF). O órgão constatou que a licença ambiental para as obras foi concedida sem a necessária avaliação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), caracterizando uma falha grave no processo. O objetivo da medida é proteger um dos sítios paleontológicos mais ricos do estado, conhecido pela presença do Mesosaurus tenuidens, um réptil aquático que nadava na região quando os continentes sul-americano e africano formavam uma única massa de terra.
De acordo com a procuradora Monique Cheker, responsável pela recomendação, a continuação do trabalho poderia causar "danos irreversíveis" ao meio ambiente e aos fósseis localizados na antiga pedreira Carlito Molinari. "A obra poderia comprometer um patrimônio científico único. São registros que contam parte da história da Terra e precisam ser preservados", enfatizou.
O MPF foi taxativo: a retomada das obras só será possível após um parecer favorável do Iphan e a realização de estudos arqueológicos e paleontológicos completos. O Departamento de Estradas de Rodagem (DER/PR) já foi notificado sobre a suspensão. Caberá agora ao Iphan realizar uma vistoria técnica para avaliar se os trabalhos já causaram algum prejuízo ao patrimônio.
O fóssil que mudou a geografia do mundo
A importância da região vai além da curiosidade científica. O Mesosaurus tenuidens encontrado ali é uma peça-chave para uma das teorias mais importantes da ciência moderna: a Deriva Continental. A descoberta de fósseis idênticos deste animal tanto no Brasil quanto na África foi uma evidência crucial para comprovar que esses continentes já estiveram unidos no supercontinente Gondwana.
Segundo a Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), o Mesosaurus media pouco mais de um metro, tinha um corpo esguio, cauda longa e dentes finos adaptados para filtrar pequenos crustáceos. O primeiro registro da espécie foi feito em 1864, no sul da África, pelo pesquisador Paul Gervais. Hoje, a região de Irati e São Mateus do Sul é um dos poucos locais no mundo onde ainda é possível encontrar testemunhos fossilizados dessa criatura primordial.
A paralisação da obra, portanto, não é apenas uma questão burocrática. É uma corrida contra o tempo para garantir que este "tesouro científico", capaz de reescrever a história da Terra, não seja soterrado pelo asfalto. A decisão coloca em pauta o valor do nosso patrimônio natural e a responsabilidade de preservá-lo para as futuras gerações.